#AUTORA                       

capitulo12






Zack estava caído do outro lado da sala, pelo menos uns 7 metros de onde Lizzie estava. Ele respirava, parecia apenas desmaiado, provavelmente por causa do impacto que sofrera ao colidir com a parede. Raul também estava desacordado um pouco a frente de Lizzie, com hematoma nascendo rapidamente em volta de seu olho.
Ambos golpeados por Tito, respectivamente.  Lizzie mal conseguira armazenar as cenas em sua cabeça, porque tudo tinha sido rápido e inesperado demais. Não que ela não esperasse que algo do tipo fosse acontecer, mas o momento em que aconteceram é que tinha sido um pouco inconveniente.

- A polícia também procura essa garota por outros crimes que ela cometeu na cidade que vivia antes de vir pra cá! Ela não te contou do incêndio no orfanato, causado no mesmo dia em que ela deixou o lugar? Assim como no caminhão que ela explodiu do homem que a deu carona, foram encontradas as digitais dessa menina num galão de gasolina próximo ao orfanato... Não há dúvidas que ela foi a autora desses crimes! A polícia foi em nossa casa hoje procurando por ela logo depois que você saiu. Achavam que você estava com essa ordinária – continuava a mentir, com um leve sorriso malicioso em seus lábios. Zack parecia absorto com as novas  e falsas informações. Lizzie havia lhe contado rapidamente sobre o orfanato que vivera e dito a verdade sobre a história do caminhoneiro. No entanto, a versão dada pelo demônio ‘disfarçado’ lhe era passada de uma forma mais convincente, porque o mesmo estava manipulando sua mente pra acreditar em suas palavras. Curiosamente, a confiança que Zack tinha em Lizzie por causa de seus sentimentos, sem que ele tivesse noção disso, tornava-o mais resistente a técnica. Normalmente, Tito teria conseguido manipular a mente de Zack em menos de três minutos. Porém, para a infelicidade de Lizzie, não demoraria para o rapaz ser completamente invadido pelas ideais mau intencionadas de Tito. Mais um pouco e a versão do demônio se tornaria a que Zack passaria a conhecer. No último momento de real consciência, ele ainda gaguejou algumas perguntas sobre a conversa com Martin naquele dia, ter visto a casa do homem sofrer um ataque de poltergeist e ter presenciado Lizzie se curar magicamente de um ferimento causado por ela mesma em a sua frente ainda naquela noite.
- Ela e esse velho desonesto estão tramando tudo isso. Querem te enganar, fazendo esses truques baratos de ilusionismo... Ela é uma lunática! Psicopata! Não seja bobo! Você sabe que nada disso existe! Ela mentiu e omitiu uma vez... e está fazendo isso novamente meu filho – disse com um farto sorriso de satisfação. Os olhos de Zack estavam arregalados, num tom escuro não natural para os verdes habituais. Por um momento, ele pareceu em transe, com o olhar perdido em algum ponto no chão. O único brilho que possuía em volta daquelas retinas dilatadas era das lágrimas acumuladas. Muitas delas foram engolidas. Apenas uma escorreu pelo seu rosto.
Lizzie, ainda no chão, lutava contra a dor em sua cabeça, e começava a recuperar os reflexos. A primeira coisa que viu quando sua visão voltou ao normal, foi Zack se virar pra encará-la. Pela forma que ele e mirava, era impossível adivinhar o que ele pensava exatamente. Mas considerando o desprezo nítido em seu olhar, Lizzie teve certeza que Tito alcançara seu objetivo. 
Ela tinha uma grande dificuldade em entender, por mais que Raul tivesse explicado a cruel natureza de demônios como Tito, porque aquele tinha decidido segui-la e atormentá-la por tanto tempo. Era possível que o sofrimento de Lizzie era o mais saboroso que ele poderia desfrutar? Era simplesmente injusto, e ela sabia que enquanto houvesse uma esperança de felicidade, Tito estaria lá pra arruinar tudo. Lizzie tinha certeza que se até ali ele permanecera ao seu lado infernizando-a, é porque ele tinha a escolhido como “fonte”, como um brinquedo.
Aquelas dores não a permitiam se enganar. Ou ela satisfaria sua energia negra e se treinaria pra controlá-la, ou então iria adoecer. No primeiro caso, Lizzie sabia que teria que viver uma vida onde apenas ela e seus desejos carnais poderiam existir. Ninguém a amaria o suficiente pra concordar em vê-la desfrutar de uma infinidade de depravações e ilegalidades. E nem ela conseguiria se entregar totalmente a essas necessidades e treinamento se estivesse dividida e confusa por causa de uma segunda pessoa. Por outro lado, se escolhesse tentar esse primeiro caso, Tito não teria mais o que sugar de Lizzie e ninguém mais sairia machucado por sua causa.
Adoecer só iria alimentar Tito ainda mais! Lizzie passaria o resto da sua vida, provavelmente, numa clínica psiquiátrica, cheirando a urina, sendo dopada com remédio e falando sozinha sobre demônios num quarto branco.
Qualquer uma das opções, Zack não existiria em sua história. Não se ela quisesse vê-lo feliz. E era isso que ela queria, pois o amava.
Sim, o amava. Percebeu isso quando se viu disposta a perdê-lo ou perder sua vida pra vê-lo vivo e feliz. E o que ela entendia por amor essa isso: sacrifício, respeito.
De repente, as dores em sua cabeça cederam.
Enquanto Lizzie definia suas escolhas e entristecia com o olhar raivoso de Zac, ela soube o que teria fazer exatamente. Só faltava uma coisa que não sabia como.  Como se livrar de Tito naquele instante?
Foi Raul então que, finalmente, ajudou. Obviamente o homem acompanhava os pensamentos de Lizzie, e esperou o momento certo pra cochichar alguma coisa em seu ouvido. A expressão de Lizzie não demonstrava muito conforto com o que Raul explicava, mas assentia. Tito também não pareceu gostar de vê-la se recompondo e do velho lhe falando algo em particular. Fechou o sorriso e contraiu os cílios.
O barulho do sapato da Sra. Jones alertou Lizzie. Tito começara a dar alguns passos a frente, em sua direção e de Raul. Seus olhos estavam fixados neles, como se tentasse fazer uma leitura labial do que falavam. Zack, completamente avulso naquele momento, seguiu a “mãe” e segurou em seu braço.
- O que você está fazendo? Vamos! Não temos que fazer nada aqui... Deixe a polícia cuidar deles – exclamou com amargura. No entanto, a mulher prosseguiu com mais alguns passos arrastados. Zack franziu o cenho impaciente e voltou a agarrar o braço dela. Inesperadamente, numa questão de milésimos, a mulher levantou a mão e Zack voou metros, até bater com força na parede, como se uma súbita corrente massiva de ar o tivesse empurrado. Zack bateu e caiu desacordado.
- Que garoto chato – murmurou Tito, revirando os olhos.
No momento do impacto de Zack na parede, Raul parou de falar no ouvido de Lizzie, que arregalou os olhos com a cena. Sua vontade era correr até Zack pra se certificar se o rapaz estava bem, mas não podia. O que ela deveria fazer a seguir era mais importante.
Tito deu outro passo na direção deles. Raul se levantou com agilidade e literalmente correu até a cozinha, o que fez Tito andar mais apressado, já se preparando pra acompanhar o homem. Lizzie se adiantou, e rapidamente levantou-se pra segui-lo.
Quando Tito chegou perto do corredor, Lizzie agarrou-o nos braços por trás, o que o fez bambear – não fora difícil, já que a Sra. Jones usava uma sandália com um salto generoso. 
Tito não precisou fazer muito esforço pra se livrar das mãos finas de Lizzie. Bastou se virar pra empurrá-la. Quando girou sob os pés pra voltar a andar até a cozinha, Raul retornava, encarando-o sem medo e com passos lentos. Tito olhou diretamente para a mão direita do homem. Raul segurava o bule de chá. Estava cheio, e o líquido fervia tanto que era possível ver o vapor quente saindo. Tito deu uma risada grave.
- Você vai me queimar? Creio que você é inteligente o suficiente pra saber que na verdade vai queimar o rosto dessa mulher – replicou.
Raul também sorriu com ironia.
- Exatamente. Eu sou inteligente o suficiente – exclamou, lançando uma piscadela. Mas a piscadela não fora pra Tito, pois o olhar do homem atravessava-o.
Tito abandonou a expressão de sarcasmo e seguiu o olhar de Raul, virando-se pra trás com certo receio. Receio esse com razão, pois assim que girou seu corpo, Lizzie o golpeou com uma faca no abdômen. A mesma faca que cortara o antebraço, deixara cair no tapete e conseguira recuperar sem que Tito notasse enquanto ele perseguia Raul até o corredor.
- Acho que você sabe também, que não é possível possuir um corpo morto, né? – implicou Raul, com um tom orgulhoso na voz. Lizzie pressionou a faca com ainda mais força, fazendo Tito gemer. Os olhos da Sra. Jones expressavam o que Tito provavelmente sentia naquele momento: desespero e raiva. O sangue começou a escorrer com abundância pelo ferimento, sujando o vestido da mulher e a mão de Lizzie, que satisfeita com a profundidade que o a lâmina provavelmente alcançara, decidiu soltar a faca e se afastar. Tito cambaleou para os lados, fitando Lizzie com os olhos arregalados e a boca aberta, de onde começou a cuspir sangue. Lizzie tinha acertado o estômago da mulher.
- E acredito estar certo ao dizer que você terá que acompanhar a alma dela até o inferno, pra só então se ver livre novamente, né? – continuou Raul, provocando-o.
Tito irritado fechou os olhos, respirou fundo e com a última força que lhe restava, girou o corpo acertando um soco bem no meio do olho de Raul. Se os dedos da mulher não fossem decorados com tantos anéis pesados em todos os dedos, talvez o homem não tivesse caído desacordado com o golpe. Lizzie levou as mãos à boca, sobressaltada, mas não ficou abalada. O bule de chá quente por sorte não derramou o líquido sobre o homem. Quando golpeado, Raul obviamente se desequilibrou e entornou o chá na parede.
Sra. Jones não parava de sangrar, tanto pelo profundo ferimento no abdômen, quanto pela boca. Sem mais resistir, caiu de joelhos.
- Você sabe que isso não acabou – sussurrou, encarando-a com dificuldade. Lizzie se curvou, deixando o rosto a poucos centímetros do da mulher. Sorriu maleficamente.
- Vai pro Inferno! – disse por fim. Tito bufou, e depois o corpo de Sra. Jones desabou no chão.
Lizzie suspirou aliviada, mesmo sabendo a acabara de atacar gravemente (e provavelmente, matar) a mãe de Zack. Infelizmente, oportunidade como aquela dificilmente se repetiria.
Pra Lizzie se livrar de Tito dentro de um corpo humano, só matando a pessoa ou no mínimo, fazê-la falecer por alguns segundos. Além de acreditar fielmente de que outra oportunidade como aquela não aconteceria, Lizzie não tinha muito tempo pra agir. Era agora ou nunca, pois precisava aproveitar que havia recuperado as forças e consciência por enquanto. Zack ter sido golpeado e desmaiado naquele instante também tinha sido um ponto a favor, pois assim o rapaz não teria assistido cena tão infeliz.
Se matar a mãe de Zack não fora um trabalho muito doloroso, o que ela precisaria fazer a seguir não seria tão “fácil” de conviver assim.
Lizzie se aproximou do rapaz, agachando ao seu lado. Acariciou o lado do rosto de Zack que não estava colado ao chão, enquanto o vislumbrava-o com os olhos marejados. Ela queria guardar cada centímetro daquela visão em sua mente.
Raul pigarreou atrás de Lizzie. O homem havia acordado e se recuperado.
- Não temos muito tempo Lizzie. Não prolongue isso... É pior – disse, colocando a mão em seu ombro. Lizzie não segurou as lágrimas.
- Vai funcionar? Mesmo com ele dormindo? – perguntou. Suas mãos alisavam o cabelo escorrido de Zack.
- Eu não tenho certeza, mas é melhor arriscar do que não fazer nada. Pelo menos agora ele tá vulnerável.
Lizzie então se endireitou e decidiu que colocaria as mãos sob a cabeça de Zack. Fechou os olhos e tentou não se desconcentrar com o soluço do choro. Inspirou bem fundo, e soltou o ar tremula. Seu coração estava apertado, sua boca seca e sua mente implorava pra que ela não se arrependesse no futuro do que estava prestes a fazer.
Parte de si desejava que Zack nunca a esquecesse e que assim como ela, tivesse os momentos vividos ao seu lado como os mais felizes de sua vida. No entanto, era exatamente o contrário disso que Lizzie tentava colocar na mente de Zack. Ela estava invandindo-a, penetrando-a, assim como Tito fizera minutos atrás. E ao tentar fazer isso, seu objetivo era intensificar todos os pensamentos e lembranças que Zack tinha naquele momento sobre ela, principalmente as informações adicionadas por Tito.
Na nova mente de Zack, Lizzie era uma ladra assassina, que além de tudo aquilo que Tito dissera, também matara sua mãe no final. Desta forma, Lizzie seria obrigada a sumir da vida do garoto, e ele sempre a odiaria. De uma forma ou de outra, assim ele ficaria seguro.
Lizzie ficou naquela posição por poucos minutos, e quando se sentiu completamente confiante de que o trabalho havia sido feito, ela abriu os olhos quebrando o transe.
Observou Zack mais alguns segundos antes de conter as lágrimas e se levantar.
- Vamos! Ainda temos que arrumar as coisas, pegar dinheiro no banco 24hrs e sumir de Trenton – disse Raul apressado, já virando pra ir até seu quarto preparar sua mala.
Lizzie continuou imóvel, pensativa. Raul parou no meio do caminho, girou sob os pés e fitou Lizzie com um olhar de reprovação.
- Não Lizzie, não! Você não precisa fazer isso! Ele vai ficar seguro! – exclamou afoito. Ele já sabia o que Lizzie estava arquitetando; Não porque eles haviam combinado no momento em que ele cochichara o plano em seu ouvido, mas porque ele acessava isso em sua mente naquele instante, bem no segundo em que ela pensou na hipótese.
- Segurança nunca é demais.
- Mas nesse caso não tem necessidade! Lizzie, pelo amor de Deus...
- Deus não fez nada até agora – interrompeu e então correu até o corpo da Sra. Jones. Retirou a faca de seu abdômen e em seguida, passou a lâmina ensanguentada na palma da mão não ferida. Não torceu o nariz, não expressou dor. Lizzie na verdade procurava não pensar. Estava completamente focada no final que daria aquela história com Zack.
Apertou a mão, fazendo muitas gotas caíram no chão. Em seguida se ajoelhou, fechou os olhos com força e imaginou o que estava pensando.
Lizzie não fazia ideia do que estava fazendo, e principalmente, se funcionaria. Mas lembrou-se de uma vez em que Raul lhe falara sobre rituais, e que eles serviam apenas como uma forma de demonstrar aos outros seres que você queria estabelecer um contato. Se o ser que você deseja contatar achar vantajoso se comunicar com você, ele o faria. Portanto, não havia uma regra ou padrão obrigatório para os rituais. O que importava era você acreditar no que você estava fazendo. E era isso que Lizzie fazia naquele momento. Um ritual. E acreditava que ele funcionaria.
Raul continuava resmungando coisas atrás dela que ela ignorava completamente. Seu ouvido o bloqueava naquele momento. Lizzie só ouvia a si mesma dentro de sua mente, chamando pelo mesmo demônio que fizera o acordo com sua mãe. Não sabia que demônio tinha sido, nem o que a mãe exatamente fizera ou falara pra entrar em contato com ela, se não se matar depois, mas Lizzie confiava que ele a ouviria.
Continuou pensando, chamando repetidamente por esse demônio, imaginando ele atendendo seu chamado. Ao mesmo tempo, sentia o corte em sua mãe latejar e o sangue descer entre seus dedos.
Menos de um minuto depois, foi possível perceber o oxigênio parecer mais denso e uma energia diferente em sua volta. Seus pelos eriçaram-se e Lizzie estremeceu. Sentiu vontade de abrir os olhos e espiar a sua volta. Uma sombra negra, familiar, porém muito maior que a Tito estavam bem diante de seus olhos. O que aquela energia a fazia se sentir infeliz, também a proporcionada uma sensação de tranquilidade.
 Ele estava ali, tinha a atendido. Uma onda de calor preencheu seu corpo, fazendo-a transpirar imediatamente nas extremidades do corpo. Raul estava completamente parado ao seu lado, também olhando para a figura negra à frente.
Lizzie não sabia como deveria começar falando, então disse tudo o que vinha a sua cabeça exatamente como pensava:
- Pelo o que eu soube, mesmo tendo herança demoníaca, minha alma não pertence ao inferno. Hoje eu violei um mandamento. Eu matei e não me arrependo. Até aqui, isso não me deixa qualificada ao céu. No entanto... Matei pra salvar alguém, fiz um sacrifício. O que é me torna um caso a pensar no julgamento – Lizzie pausou e tomou ar. Levantou-se e mesmo que a sombra não tivesse um rosto, Lizzie sentia que a encarava. E seu olhar era de pura determinação. Raul gritou um último “Não Lizzie!” antes de ela prosseguir. – Eu quero a proteção total de Zack Jones e de Malcom Figins. Minha alma agora pode lhe ser uma boa proposta, mas eu não estou a fim de morrer nesse instante. Já que com isso eu estarei naturalmente condenada, porque ter só a minha quando eu posso conseguir outras mais interessantes? Então... Quantas almas você quer que eu encaminhe para o inferno em troca do meu pedido?